sexta-feira, 15 de abril de 2016

O CAPÍTULO MAIS “INFAME” DA CONFISSÃO DE WESTMINSTER



Estava lendo o e-book, “o outro lado do Calvinismo”, quando o autor, Laurence M. Vance, discorrendo acerca da Confissão de Fé de Westminster, escreveu a seguinte pérola: A confissão “contém trinta e três capítulos, cada um dividido em parágrafos. O mais longo é aquele sobre a Bíblia, contendo dez parágrafos; o mais infame é aquele sobre a predestinação”. [1]
Como ainda não memorizei toda a Confissão, corri para a biblioteca e a tomei em minhas mãos, a fim de conferir quais eram as infâmias que a Confissão trazia acerca da predestinação.

Mas antes de falar o que encontrei lá, pensei em lembrar os amados leitores o peso da palavra “infame”. São sinônimos desta palavra: “abjeto”, “indigno”, “vil”, “abominável”, “execrável”, “baixo”, “desprezível”, “detestável”. Além disso, é importante observar mais atentamente a declaração de Vance. Observem que ele disse que o capítulo mais infame é aquele sobre a predestinação, ou seja, para ele, a Confissão possui outras infâmias, mas ele destacou a predestinação como sendo a maior delas.  
Mas, afinal de contas, o que temos de tão “infame” no capítulo que trata da predestinação?
O capítulo que trata da predestinação é o capítulo 3. Esse capítulo é intitulado: “Dos eternos decretos de Deus”. Eis algumas declarações deste capítulo “infame”:
“Desde toda a eternidade e pelo seu mui sábio e santo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou a contingência das causas secundárias, antes estabelecidas” (Cap. 3, Sessão 1).
“Pelo decreto de Deus e para a manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna e outros preordenados para a morte eterna” (Cap. 3, Sessão 3).
“Segundo o seu eterno e imutável propósito, e segundo o santo conselho e beneplácito de sua vontade, antes que fosse o mundo criado, Deus escolheu em Cristo, para a glória eterna, os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa” (Cap. 3, Sessão, 5).
“Assim como Deus destinou os eleitos para a glória, assim também, pelo eterno e mui livre propósito de sua vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os que, portanto, são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos por Cristo, são eficazmente chamados para a fé em Cristo, pelo seu Espírito que opera no tempo devido, são justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder, por meio da fé salvadora. Além dos eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo” (Cap. 3, Sessão 6).
“Segundo o inescrutável conselho de sua própria vontade, pela qual ele concede ou recusa misericórdia, como lhe apraz, para a glória de seu soberano poder sobre as suas criaturas, para louvor de sua gloriosa justiça, o resto dos homens foi Deus servido não contemplar e ordená-los para a desonra e ira por causa de seus pecados” (Cap.3, Sessão 7).
Vance não detalha quais seriam as infâmias, mas poderemos indagar ou supor algumas coisas:
  1. Será que a sentença: “Desde toda a eternidade e pelo seu mui sábio e santo conselho de sua própria vontade, Deus ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece” é algo infame? Será que é indigno todos os acontecimentos estarem incluídos nos propósitos de Deus? Não diz a Escritura que até a ira humana há de louvar-te (Sl 76.10)? Será que é execrável um Deus que reina sobre tudo e sobre todos (1Cr 29.11)? É indigno um Deus soberano? “O que quer que ele faça, certamente ele o propôs a fazer. O que quer que ele permita ocorrer, certamente ele propôs permitir. Nada pode ocorrer que não tenha sido previsto; e se foi previsto, certamente foi assim tencionado”. [2]
  2. Será que é infame Deus escolher uns e outros não? Conceder vida a uns e outros não? Ter misericórdia de uns e outros não? Se assim for, não há declaração mais “infame” do que esta:
“Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra. Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz” (Rm 9.15-18).
  1. Será que é infame a Confissão bater de frente com o universalismo quando ela diz: “Além dos eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo”? (Cap. 3, Sessão 6). Jesus Cristo já não nos ensinou quando disse: “Mas vós não credes, porque não sois de minhas ovelhas” (Jo 10.26)?
  2. Não é Deus livre, como vimos em Romanos 9, para conceder misericórdia a quem lhe apraz? Nisto não há injustiça da parte de Deus, uma vez que Ele não deve a sua graça a nenhum homem. Injustiça seria se Ele devesse graça a todos e a desse apenas a alguns.
Berkhof nos lembra que: “Só podemos falar de injustiça quando uma parte pode reivindicar algo de outra. Se Deus devesse o perdão de pecado e a vida eterna a todos os homens seria injustiça se ele salvasse apenas um número limitado deles. Mas o pecador não tem, absolutamente, nenhum direito ou alegação que possa apresentar quanto às bênçãos decorrentes da eleição divina”. [3]
  1. Será que é execrável Deus escolher pecadores “de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa”? (Cap. 3, Sessão, 5).
  2. Ou será que Vance acha que Deus é mais glorificado na seguinte ideia arminiana: Deus olhou nos corredores do tempo, para ver quem iria crer nele, e baseado nessa “fé prevista”, fez a sua escolha? Assim a fé seria a causa da eleição. Mas a Bíblia nos mostra que a fé não é a causa da eleição, e sim o resultado da eleição. Ou seja, não fomos eleitos porque cremos; cremos porque fomos eleitos. Fomos destinados por Deus para isso. “[...] e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48).
O fato de Deus dirigir todo o universo de acordo com sua soberana vontade e escolher pecadores, caídos em Adão, dando esses pecadores para serem remidos pelo Seu Filho e chamando-os em seu devido tempo, através de Seu Santo Espírito, dando-lhes justificação, adoção, santificação e segurança eterna é motivo de louvor.
Para alguns, como Vance, essas verdades são “infames”, mas para “todos os que sinceramente obedecem ao Evangelho, esta doutrina fornece motivo de louvor, reverência e admiração para com Deus, bem como humildade, diligência e abundante consolação” (Cap. 3, Sessão 8).

Rikison Moura.


[1] Versão digital, p. 204.
[2] Charles Hodge, Teologia Sistemática, Hagnos, pp, 404,405.
[3] Teologia Sistemática, Cultura Cristã, p. 108.

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