O que tem prevalecido até hoje é
a ideia de que Calvino pessoalmente executou Serveto. Que Calvino arquitetou,
tramou e executou o seu plano de tirar-lhe a vida. Que o reformador de Genebra
é um assassino, um tirano sedento por sangue. Porém, o máximo que se pode
atribuir a Calvino no caso Serveto é a sua concordância na execução, não que
ele fosse morto na fogueira, mas que ele fosse morto. Não que isso seja certo,
mas é o que se pode atribuir a ele.
De fato, Calvino acusou Serveto
de heresia, o que não era nenhuma mentira, pois Serveto, era sim um herege que
já havia sido preso pelos católicos romanos na França; tendo fugido da prisão,
foi queimado simbolicamente pela igreja romana.
Antes de sua condenação pela
igreja romana, os reformadores Martin Bucer e Oecolampádio discutiram com
Serveto e lhe mostraram os erros em que ele estava envolvido, mas ele não lhes
deu ouvido. O próprio Calvino manteve correspondências com Serveto, mandou-lhe
uma cópia de suas Institutas, a qual
Serveto mandou de volta cheia de anotações contrárias.
Miguel Serveto sustentava ensinos
heréticos contra a doutrina da trindade, a cristologia, a predestinação, e o
batismo infantil.
Alguns dizem: ‘Calvino não era
nenhum santo’, eu pergunto: ‘e Serveto era?’ Serveto era um homem sagaz. Apoiando-se
na lei de talião, Serveto pediu ao Conselho de Genebra a prisão de Calvino que
o acusara “falsamente”. Acusava Calvino de heresia e exigia a condenação dele: “[...] até que a causa seja decidida, pela
morte dele ou minha, ou outra pena”. [1]
Ao apoiar-se na lei de talião,
Serveto sentia que poderia derrotar Calvino. Se fosse provada a sua inocência,
Calvino seria preso e seus bens dados a Serveto como indenização, e o próprio
Calvino poderia ter sido morto, uma vez que foi acusado de heresia por Serveto.
Certamente, Serveto e os
libertinos adorariam ver Calvino ardendo em chamas. “Daí conclui-se que o homem que, em Viena,[2]
negara perante as autoridades eclesiásticas a sua identidade e a autoria dos
seus livros e que, em Genebra, afirmava sem temor uma e outra, alimentava
esperanças de derrotar Calvino e tomar o seu lugar na liderança da cidade”.
[3]
No processo, o Conselho de
Genebra pediu o parecer das cidades reformadas vizinhas: Berna, Schaffhouse,
Zurique e Basiléia e a resposta unânime de todas elas foi que Serveto fosse
morto! O tribunal onde Serveto havia fugido na França pedia a sua extradição. A
morte era inevitável.
Calvino não executou Serveto como
muitos pensam, a sentença foi dada por um tribunal do qual Calvino não fazia
parte. É preciso lembrar que a justiça daqueles dias sentenciava a morte os
hereges. Esse era o espírito da época. A morte de Serveto aconteceria apesar de
Calvino. Dizer, como alguns, que Calvino invejava Serveto e por isso
arquitetou, manobrou e executou seu plano de mata-lo é ir longe demais.
O escritor Armando Silvestre
disse que: “Aqueles que desconhecem a história condenam Calvino e deram glórias
de mártir a Serveto”. [4]
O mesmo autor observa a respeito da
morte de Serveto: “Após essa condenação erroneamente conduzida, os libertinos
caíram em descrédito em Genebra. Os guilherminos
acabaram tomando-lhes o poder e favoreceram Calvino. Como vingança, parece
terem sido os próprios libertinos os primeiros a difamar Calvino e atribuir
falsamente a condenação de Serveto ao reformador”. [5]
“Os libertinos o mataram. Caíram
em descrédito. Perderam o poder do PC. Então, fizeram de Calvino o bode
expiatório de sua incompetência”. [6]
Verdade é que muitos na ânsia de
achincalhar e denegrir a imagem de Calvino – chamando-o de monstro, assassino,
tirano e outros adjetivos nada honrosos, exaltam Serveto de tal maneira que ele
passa a ser considerado um verdadeiro herói, alguém que sofreu sem causa e o
seu sofrimento o eleva ao patamar de um mártir. Porém, quero dizer a todos que
Serveto não é um mártir.
Por que Serveto seria um mártir?
Por que ele sofreu? Mas será que todo sofrimento glorifica à Deus? A Bíblia nos
chama a avaliarmos a causa de nosso sofrimento. O apóstolo Pedro chega a dizer
que o sofrimento por causa do pecado é vergonhoso, por outro lado, se sofremos
por causa de Cristo isso é uma honra da qual não temos do que nos envergonhar
(1Pe 4.15,16). A pergunta que se faz é: Serveto sofreu pela causa de Cristo? A
condenação de Genebra e de outras cidades reformadas, e os fatos históricos
mostram que Serveto labutava contra a Palavra de Deus!
As palavras de Santo Agostinho
são muito interessantes, leia com atenção:
“Todos os hereges sofrem, mas pelo erro, não pela verdade, porque
mentem contra o próprio Cristo. Todos os pagãos, em sua impiedade, suportam
todos os seus sofrimentos pelo erro. Que ninguém, pois, se exalte nem se
glorifique por seu sofrimento, mas que prove primeiro a verdade de sua palavra.
Se me mostras o sofrimento, eu pergunto pela causa! Se dizes ‘sofri’, eu digo:
‘por que sofreste?’. Porque se nos detivermos apenas no sofrimento, então os
bandidos também merecem condecoração. [...] Se é preciso gabar-se do
sofrimento, então, o diabo tem muito do que se gloriar. Porque seus sofrimentos
estão aí, à vista de todos: seus templos por toda a parte derrubados, seus
ídolos por toda a parte quebrados, seus sacerdotes e seus endemoninhados por
toda a parte massacrados. Será que por isso ele poderá dizer: ‘eu também sou
mártir, pois tenho sofrido demais?’. Portanto, que o homem de Deus escolha,
antes, sua causa, e só depois caminhe tranquilamente para o sofrimento. Se ele
caminhar para o sofrimento por uma boa causa, aí sim, depois do sofrimento, ele
merecerá também a coroa”. [7]
Calvino não merece figurar entre
os monstros da história e Serveto não merece um lugar na companhia dos
mártires.
Rikison Moura.
[1] SILVESTRE, Armando. Calvino,
o potencial revolucionário de um pensamento, Vida Acadêmica, p. 191.
[2] Na verdade, a cidade em que Serveto foi condenado pelo romanismo
não foi Viena e sim Vienne, na França.
[3] FERREIRA, Wilson Castro.
Calvino: Vida, Influência e Teologia, LPC, p. 119
[4] SILVESTRE, Armando. Calvino,
o potencial revolucionário de um pensamento, Vida Acadêmica, p.192.
[5] Idem, p. 193.
[6] Idem,
[7] FERREIRA, Franklin,
Agostinho de A a Z, Vida Acadêmica, pp.141,142.
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