A discursão
desse texto gira em torno da seguinte questão: Paulo rebatizou os discípulos
que conheciam apenas o batismo de João? Muitos teólogos têm tentado buscar uma
interpretação correta desse texto. Aqui passo a transcrever alguns
posicionamentos de renomados teólogos e comentaristas:
O comentarista
bíblico, Warren W. Wiersbe escreveu o seguinte:
“Paulo sentiu que esses homens não tinham o
testemunho do Espírito em sua vida e que, portanto, não eram convertidos. Por
certo, o apóstolo não discutiria a plenitude do Espírito com não salvos! (...)
Paulo explicou-lhes que o batismo de João era um batismo de arrependimento que
olhava para o futuro, para a vinda do Messias prometido, enquanto o batismo
cristão era um batismo que olhava para o passado, para a obra consumada de
Cristo na cruz e para sua ressurreição vitoriosa. O batismo de João estava do
“outro lado” do Calvário e de Pentecostes. Foi correto em seu devido tempo, mas
esse tempo havia terminado”. [1]
Ainda segundo
Wiersbe, “ele [Paulo] os batizou, pois,
seu primeiro batismo não foi, verdadeiramente, um batismo cristão”. [2]
O comentarista,
I. Howard Marshall também é da opinião de que o batismo de João não é batismo
cristão. Assim ele se expressa: “Esta é a
única ocasião registrada no Novo Testamento em que pessoas receberam um segundo
batismo, e ocorreu porque o batismo anterior não era batismo cristão em nome de
Jesus”. [3]
O teólogo
reformado, F. Turrentini, possui opinião diferente, para ele:
“Atos 19.4,5 não prova que os discípulos
efésios, que haviam recebido o batismo de João, foram rebatizados por Paulo.
Pois, as palavras “quando ouviram isto, foram batizados” (akousantes de
ebaptisthesan, v. 5) não são palavras de Lucas narrando o que lhes
seguiu ao discurso de Paulo, mas antes uma confirmação do discurso paulino aos
efésios, pelo qual ele ensina que os que haviam recebido o batismo de João
Batista foram batizados no nome de Cristo e, assim, não tinham necessidade de
um novo batismo. E, assim, Paulo é apresentado dizendo: “João realizou o
batismo de arrependimento, dizendo ao povo que cresse naquele que viria depois
dele [akousantes de para hoi de akousantes], a saber, Jesus. Eles tendo ouvido
isto, foram batizados em o nome do Senhor Jesus” (a saber, por João mesmo).
Portanto, este discurso de Paulo instruía àqueles a quem ele é dirigido acerca
do batismo que haviam recebido, enquanto de modo nenhum ensina que foram
rebatizados”. [4]
O reformador
João Calvino, célebre intérprete da Escritura, assim se expressa:
“Eu, porém, concedo que aquele batismo de
João era verdadeiro, e que era uno e o mesmo que o batismo de Cristo; mas nego
que tenham sido rebatizados. Que querem, então, dizer estas palavras: foram
batizados em nome de Jesus? Alguns interpretam assim: que somente foram
instruídos por Paulo na verdadeira doutrina. Eu preferiria entende-lo de uma
forma mais simples, isto é, que as graças visíveis do Espírito foram concedidas
pela imposição de mãos. Não é novidade que essas graças recebam o nome de
batismo. Assim, no dia de Pentecostes, diz-se que os apóstolos se lembraram das
palavras do Senhor sobre o batismo de fogo e do Espírito (At 1.5). E Pedro
menciona que as mesmas palavras lhe vieram à memória, quando viu essas graças
derramadas sobre Cornélio e sua família (At 11.16). E não se opõe a isto o que
vem em seguida: que, quando lhes impôs as mãos, o Espírito Santo desceu sobre
eles. Pois Lucas, não se refere a duas coisas diferentes, mas continua sua
narração na forma familiar aos hebreus, que primeiro propõem um resumo do
assunto e depois o expõem mais amplamente. Qualquer um pode perceber isso pelo
próprio contexto das palavras. Pois diz que, ouvidas estas coisas, foram
batizados em nome de Jesus; e que, quando Paulo lhes impôs as mãos, o Espírito
Santo desceu sobre eles. Nesta última expressão se descreve que tipo de batismo
foi aquele. Porque, se a ignorância manchasse o primeiro batismo, e este
tivesse de ser corrigido por outro, os apóstolos teriam de ser os primeiros a
ser rebatizados, porque em três anos inteiros depois de seu batismo apenas
haviam provado uma mínima parte da verdadeira doutrina. E, entre nós, que rios
bastariam para repetir tantos batismos quanta é a ignorância, que pela
misericórdia do Senhor se corrige a cada dia?”. [5]
Em outra parte,
Calvino fala de modo mais claro a respeito do batismo de João Batista. Ele diz:
“E assim João batizou primeiro, e em seguida
os apóstolos, com o batismo de penitência para a remissão dos pecados;
entendendo com o termo “penitência” a regeneração, e com “remissão de pecados”,
a ablução (Mt 3.6-11; Lc 3.16; Jo 3.23; 4.1).
Por isso, é certíssimo que o ministério de
João foi exatamente o mesmo que o que depois se delegou aos apóstolos. Pois as
diferentes mãos que administram o batismo não o fazem diferente; mas a mesma
doutrina demonstra que é o mesmo batismo. João e os apóstolos estavam de acordo
na mesma doutrina. Um e outros batizaram para a penitência; um e outros
batizaram para a remissão dos pecados; um e outros batizaram em nome de Cristo,
de quem procediam a penitência e a remissão dos pecados. João disse que Cristo
era o cordeiro pelo qual se tiravam o pecado do mundo (Jo 1.29), quando o
mostrou como sacrifício aceito pelo Pai, a propiciação de justiça e o autor da
salvação. Que os apóstolos poderiam acrescentar a esta confissão?
Por esta razão, que ninguém se perturbe pelo
fato de que os antigos escritores estabeleceram diferença entre um batismo e
outro; ademais, o parecer deles não deve ter para nós tanto valor que abale a
certeza da Escritura. Pois quem pode dar mais crédito a Crisóstomo, que nega
que a remissão dos pecados estivesse compreendida no batismo de João, que a
Lucas, que afirma o contrário: que João pregou o batismo de penitência e
remissão dos pecados (Lc 3.3)? Tampouco se pode admitir a argúcia de Agostinho,
que os pecados foram perdoados pelo batismo de João na esperança, e pelo
batismo de Cristo na realidade. Pois, como o evangelista claramente atesta que
João prometeu em seu batismo a remissão dos pecados, para que privá-lo desse
título, quando nenhuma necessidade obriga a isso? Mas, se alguém procurar na
Palavra de Deus uma diferença entre o batismo de um e de outro, não encontrará
senão que João batizava em nome daquele que haveria de vir; e os apóstolos, no
daquele que já havia vindo (Lc 3.16; At 19.4) ”. [6]
Não é à toa que o Concílio de Trento, também chamado de
“contrarreforma”, posiciona-se contra os reformadores declarando: “Se alguém disser que o batismo de João
Batista e o de Cristo possuíam a mesma virtude, seja anátema”.
Algumas considerações finais:
1. Jesus Cristo perguntou aos
principais sacerdotes e anciãos do povo: o batismo de João era do céu ou dos
homens? (Mt 21.25; Lc 20.4). Os inimigos de Cristo não quiseram responder, mas
vejamos o que o próprio João Batista declara: “Eu não o conhecia; aquele, porém, que me enviou a batizar com água me
disse: Aquele sobre quem vires descer e pousar o Espírito, esse é o que batiza
com o Espírito” (Jo 1.33). João declara que foi o próprio Deus quem o
enviou a batizar, ou seja, o batismo de João foi instituído por Deus.
2. O elemento externo do batismo de
João e dos apóstolos era o mesmo, a saber: a água.
3. Para
Turrentini, “os efeitos do batismo de João Batista eram os mesmos do batismo de
Cristo, (a saber, arrependimento Mc 1.4; At 2.38; remissão de pecados Lc 3.3;
At 22.16; fé em Cristo At 19.4; Mc 16.15,16; o Espírito Santo com seus dons
ordinários At 18.25; 2.38,39; separação dos incrédulos Mt 3.6,7; Lc 3.7; At
2.38,39)”. [7]
4. João Batista
é a “dobradiça” dos testamentos, por assim dizer. Ele é o último profeta do
Antigo Testamento, e, no entanto, o evangelho principia com o seu ministério
(Mc 1. 1-4).
5. Se o batismo
de João não é válido, pois segundo alguns, foi preciso Paulo rebatizar aqueles
que foram batizados por João, então, por que os outros apóstolos não foram
também rebatizados, visto terem sido eles batizados por João?
6. Por que o
mesmo Paulo, que segundo alguns rebatizou aqueles discípulos efésios, escreveu
aos próprios efésios declarando que só há um batismo (Ef 4.5)?
7. Quando João
diz que ele batiza com água, mas que Cristo batizaria com o Espírito Santo, ele
não está distinguindo nem depreciando o seu batismo, mas “fazendo uma distinção
entre as pessoas na ordem das causas eficientes, e indicam Cristo como
principal autor da graça e, João Batista, o ministro por cujo ministério
Cristo, na concessão do Espírito, foi graciosamente eficaz, justamente como
Paulo distingue o ministério externo dos apóstolos da virtude interna do
agente, Deus. “Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento vem de Deus” (1Co
3.6). [8]
8. As diferenças
entre o batismo de João e o de Cristo se concentra em circunstâncias, mas na
essência era o mesmo. “Confessamos que se deve fazer alguma diferença entre o
batismo de João Batista e o de Cristo, porém acidental com respeito às
circunstâncias e graus, não substancial e específica com respeito à essência,
em razão do modo de exibição e medida de dons, e não em razão da coisa em si
mesma”. [9]
Rikison Moura.
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