Nesses
últimos dias os olhos do mundo estão voltados para o Oriente Médio, para o
conflito Israel-Palestina. Egito, Estados Unidos e a União Europeia tentam
chegar a um acordo de cessar-fogo, mas até o presente momento o fim dos
conflitos que já vitimaram milhares de pessoas, muitas delas civis, parece ser
um sonho distante. Combates violentos e acusações de ambas as partes são
predominantes. Ambos os lados reivindicam para si o direito sobre a Terra
Santa.
O erudito, Kenneth Bailey, em seu
excepcional livro, “As Parábolas de Lucas” (Vida Nova), fala um pouco desse
desejo de “herança”. Quem de fato tem direito sobre Jerusalém – os judeus os
árabes ou ambos? Kenneth Bailey diz que o clamor pedindo justiça para a divisão
da terra é o problema mais melindroso do Oriente Médio, e que hoje há duas
vozes que clamam no Oriente Médio, pedindo uma divisão justa da “herança”. Em
um belo texto de poema e prosa Bailey escreve:
Sou
uma voz:
a voz de sangue derramado
clamando desde a terra.
A
vida está no sangue
e
durante anos a minha vida fluiu nas veias de um jovem.
Minha voz foi ouvida através da voz dele,
e a minha vida era a vida dele.
Então
o nosso vulcão entrou em erupção
e
durante vários dias de entorpecimento
todas as vozes humanas foram
silenciadas
por entre o rugir dos canhões
pesados,
o clangor metálico de esteiras
de tanques,
os estampidos que fazem tremer
os ossos,
como gladiadores com espadas
de um milhão de dólares
a se matarem uns aos outros
nas alturas do céu.
Depois,
repentinamente – repentinamente
veio o zumbido de um lançador de
foguetes –
um clarão amarelo sujo –
todo o inferno rugiu.
O
clangor das grandes esteiras cessou.
O meu jovem herói saiu cambaleando e
gritando do seu inferno;
o
seu corpo contraiu-se bruscamente e caiu pesadamente na areia.
E
eu fui jogado por terra –
a santa terra
da Terra Santa.
A
batalha continuou.
Os veículos feridos continuavam
queimando,
ressecavam-se
e esfriaram.
Os
“vagões de carne” levaram os corpos embora, enquanto
o frio da noite do deserto
abateu-se sobre colinas e dunas.
E eu, endurecido e escurecido na
areia.
E
então – e então
Ao
voltar o silêncio imemorial
do agora cicatrizado deserto,
ali
– ali congelada na terra,
na terra de profeta, sacerdote e rei –
Eu
ouvi uma voz –
uma voz das profundezas da terra,
uma voz de uma era imemorial,
uma voz de outro sangue
outrora derramado violentamente na
terra.
A
voz me contou esta antiga estória;
sangue
precioso entoou este antigo conto.
“Certo
homem tinha dois filhos.
Um
era rico e o outro era pobre.
O filho rico não tinha filhos
enquanto que o filho pobre fora
abençoado com muitos filhos e muitas filhas.
Com
o passar do tempo o pai caiu enfermo.
Ele estava certo de que não viveria mais
uma semana
e por isto no sábado ele chamou os
filhos para o seu lado
e deu a cada um deles metade da terra da
sua herança.
E depois morreu.
Antes
do pôr do sol os filhos sepultaram seu pai com respeito
como o costume requer.
Naquela
noite o filho rico não conseguiu dormir.
Ele disse para si mesmo:
“O
que o meu pai fez não foi justo.
Eu
sou rico, e meu irmão é pobre.
Eu
tenho pão suficiente e de sobra,
enquanto que os filhos de meu irmão
comem um dia
e confiam que Deus os alimentará no
seguinte.
Preciso
mudar o marco que nosso pai colocou no meio das terras
de
forma que o meu irmão tenha um quinhão maior.
Ah – mas ele não pode me ver,
Se ele me vir, ficará envergonhado.
Preciso me levantar de madrugada,
antes do sol nascer, e mudar o marco!”
Com
isto ele adormeceu
e o seu sono foi seguro e pacífico.
Nesse
ínterim, o irmão pobre não conseguiu dormir.
Enquanto estava deitado inquieto na sua
cama, disse para si próprio:
“O que meu pai fez não foi justo.
Aqui estou eu rodeado da alegria de
muitos filhos e muitas filhas,
enquanto que meu irmão diariamente
enfrenta a vergonha
de não ter filhos que
ostentem o seu nome
nem filhas para consolá-lo
na sua velhice.
Ele
devia possuir a terra de nossos pais,
Talvez isto em parte lhe compensasse
Pela
sua indescritível pobreza.
Ah
– mas se eu lhe der ele ficará envergonhado.
Preciso
levantar-me de madrugada, antes do sol nascer
e mudar o marco que nosso pai colocou!”
Com
isto ele adormeceu
e o seu sono foi seguro e pacífico.
No
primeiro dia da semana –
bem de madrugada,
muito antes de o dia romper,
os dois irmãos se encontraram no lugar
do velho marco.
Caíram em lágrimas nos braços
um do outro.
E naquele lugar foi
construída a cidade de Jerusalém”.[1]
Que todos nós
possamos orar pela paz na Terra Santa.
Rikison Moura, V.
D. M.
[1]
Kenneth Bailey, in, Ressurreição – Ode sobre um tanque a queimar: Terras
Santas, outubro de 1973. As Parábolas de Lucas, São Paulo, Vida Nova, 1995,
3ªedição, pp. 143-145.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir