terça-feira, 12 de agosto de 2014

O QUE É PECADO?

Ao fazermos uma definição dessa doutrina tão importante não devemos consultar os manuais de sociologia ou antropologia, mas devemos nos voltar para as Escrituras para ouvir com atenção o que ela tem a nos falar.
A Bíblia apresenta várias definições de pecado: “Tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm 14.23). “Os desígnios do insensato são pecado” (Pv 24.9). “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando” (Tg 4.17).

Mas talvez a melhor definição do que é pecado tenha sido apresentada por João, o teólogo. Em sua primeira Epístola ele escreveu:
“Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei” (1Jo 3.4).
O Breve Catecismo de Westminster sensível a revelação bíblica diz o seguinte na pergunta 14 (o que é pecado?) e a resposta é clara, breve e radicalmente bíblica:
“Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão dessa lei”.
O apóstolo Tiago declara que qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos (Tg 2.10). Portanto, começamos a entender que pecado consiste em fazer, dizer, pensar, agir ou imaginar qualquer coisa que não esteja em perfeita conformidade com a lei de Deus. A essência do pecado é a transgressão da lei de Deus. Pecado é a não conformação do eu com a lei de Deus. É rebelião contra a Sua santa vontade. É desconsideração com a lei. Pecado é a incapacidade de viver em perfeita conformidade com a lei de Deus. 
Para entendermos melhor o que é o pecado nós podemos verificar algumas palavras gregas, língua em que originalmente foi escrito o Novo Testamento. Esses vocábulos ampliam a nossa visão acerca dessa doutrina bíblica. Vejamos alguns deles:
1. Hamartia. Essa é a palavra que o Novo Testamento traduz como pecado. Essa palavra é muito significativa. Hamartia significa: errar o alvo, perder o rumo, ficar aquém de um padrão. Os pecadores são vistos como pessoas que não conseguem atingir um padrão estabelecido, no caso a lei de Deus. Eles não conseguem ser aquilo que poderiam ou deveriam ser.
2. Paraptoma. O Novo Testamento traduz como “transgressão”. Essa palavra ainda possui o sentido de “queda” “dar um passo em falso que envolve ultrapassar uma fronteira conhecida” ou “desviar do caminho certo”.
3. Adikia. Essa palavra denota injustiça ou falta de integridade. O apóstolo João diz que toda injustiça (gr. Adikia) é pecado (gr. Hamartia) 1João 5.17. Adikia é um abandono daquilo que é reto ou justo.
4. Anomos. Essa palavra significa “ilegalidade”, “transgressão”. O pecado não é apenas uma falha negativa (Hamartia), uma injustiça ou falta de retidão (adikia), mas essencialmente uma ativa rebelião contra a vontade de Deus e uma violação da sua santa lei (anomia).[1] Este fato é tão sério que o anticristo, o homem da iniquidade, o filho da perdição, é chamado pelo apóstolo Paulo de ho anthropos tes anomias, o homem sem lei (2Ts 2.3).[2]
5. Parabasis. Raramente é empregada no Novo Testamento, aparecendo somente 7 vezes. Parabasis significa “violar aquilo que é exigido por Deus”, “atravessar uma linha proibida”, “rebelião” “traição”.  
 É importante lembrar que somos culpados não apenas por nossas más ações, como também somos culpados por nossas omissões. Somos culpados por fazer o mal e somos igualmente culpados quando deixamos de fazer o bem. “...aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando” (Tg 4.17). As Santas Escrituras deixam bem claro que os pecados de comissão são tão sérios quanto os pecados de omissão.
Na parábola de Jesus, o servo que deixou de usar o dinheiro que lhe foi confiado (Lc 19.11-27); os “cabritos” que não se importaram com os párias da sociedade (Mt 25.31-46) são condenados por aquilo que deixaram de fazer. As palavras do Divino Mestre são verdadeiras: “Aquele servo, porém, que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo a sua vontade será punido com muitos acoites” (Lc 12.47).
A situação, portanto, é desesperadora. O pecado não é algo periférico, mas habita no âmago do nosso ser. Não existe nenhuma parte do nosso ser que não tenha sido contaminado pelo pecado. A teoria do filósofo francês Jean Jacques Rousseau de que o homem é essencialmente bom e que é a sociedade quem o corrompe é uma ideia equivocada. As Escrituras nos mostram que o mal não é apenas um subproduto do meio ambiente. O mal não está apenas nas estruturas sociais. Mas todo o caos da sociedade é apenas um reflexo do coração sombrio e endurecido do ser humano. Escrevendo aos romanos, o apóstolo Paulo nos apresenta esse terrível quadro. Paulo diz que todos pecaram e destituídos estão da gloria de Deus (Rm 3.23). Judeus e gentios estão debaixo do pecado. Todos estão em uma situação deplorável. Escravizados pela tirania do pecado, expostos aos seus ataques, entregues ao seu domínio, incapazes de libertar-se pelas suas próprias forças e recebendo em seu corpo o seu amargo salário, que é a morte.
No capítulo 3.10-12 assim está escrito:
“Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nenhum sequer” (Rm 3.10-12).
Nesses três versículos Paulo mostra a universalidade do pecado, a incapacidade humana e toda a depravação de sua constituição. “Não há quem entenda”, depravação da mente; “não há quem busque a Deus”, depravação do coração; “não há quem faça o bem”, depravação da vontade. John Murray acentua: “Na esfera do entendimento, não há qualquer compreensão; na esfera do conhecimento, não há qualquer movimento em direção a Deus. Com referência a Deus, todos os homens são cegos de entendimento; no que diz respeito a aspirar por Deus, eles estão mortos”. [3]

O coração do homem é uma fonte poluída de onde jorra aos borbotões a sua maldade. Ouçam as palavras de Jesus:
“Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem” (Mc 7.21-23).
Em Gênesis 6.5 assim está escrito: “Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração”. O “Pregador” escreveu: “...o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto a praticar o mal” (Ec 8.11).  Por isso nós não concordamos com a teoria de que o homem sem Deus está apenas doente, mas nós cremos e confessamos juntamente com o apóstolo Paulo que o homem sem Deus “está morto em seus delitos e pecados” (Ef 2.1). O homem não está apenas doente, ele está morto. Ele não necessita de maquiagem religiosa, necessita de ressureição espiritual. Ele não precisa de reforma humana, mas de transformação divina. O pecado não é algo superficial a ponto da cal da religião cobrir, ele está arraigado no coração do homem (Jr 17.9).
Assim como o velho Adão o homem pecador foge de Deus. As Escrituras declaram que o homem ímpio foge sem que nenhum homem o persiga (Pv 28.1). Ele vê acusadores por todas as partes. Como declarou Lutero: “O pagão treme ao barulho de uma folha”. Billy Sunday disse que: “Os pecadores não são capazes de encontrar a Deus pelo mesmo motivo que os criminosos não são capazes de encontrar um policial: não o estão procurando”. A Escritura declara que nenhum pecador busca a Deus (Rm 3.11), isso porque somos fugitivos por natureza. Não procuramos a Deus porque o odiamos. Não existe nenhuma inclinação natural em nós mesmos que nos impulsionem a Deus, pelo contrário, a nossa inclinação é somente para o mal (Rm 8.7). Deus é luz e a fonte de todo bem. Mas nós pecadores estamos mergulhados em trevas, avessos a todo bem, cheios de toda a impiedade, encharcados de desprezo e de ódio a esse Ser divino.  Portanto, uma vez que somos incapazes de buscar a Deus é o próprio Deus, por pura graça e misericórdia quem busca os pecadores (Gn 3.8-10). Jesus Cristo veio ao mundo para buscar e salvar os perdidos (Lc 19.10).
Quando entendemos a nossa pecaminosidade e como é terrível o nosso pecado aos olhos de um Deus que é três vezes Santo (Is 6.3), lançamos para longe de nós aquela linguagem e aquele evangelismo desleixado e passamos a entender que salvação não é brincadeira, não é fazer uma “escolha por Cristo”. Não é dar uma chance para Jesus. Não temos a capacidade natural de discernir e escolher os caminhos de Deus, porque não temos inclinação natural em direção a Deus; nossos corações são cativos do pecado, sentimos prazer no pecado e nossa situação é tão miserável que somente a graça da regeneração pode nos libertar dessa escravidão. O homem sem Deus não tem a capacidade de escolher a Deus na hora que ele bem entender. Ele não tem forças para transcender o seu mal essencial. Ele não tem a capacidade de fazer escolhas contrárias, pois nossas escolhas são compatíveis com a nossa natureza e uma vez que nossa natureza é pecaminosa nossas escolhas também são, e uma vez que em Adão nós estamos mortos em delitos e pecados, estamos mortos em relação a Deus, e, portanto, não podemos escolhê-lo.

Assim como uma pessoa fisicamente morta não reage a estímulos aplicados ao corpo, também uma pessoa espiritualmente morta não consegue reagir ás coisas espirituais. O pecador morto em delitos e pecados não pode fazer nada por si mesmo. É preciso que alguma coisa seja feita para ele e por ele. Não podem dar vida a si mesmos. Não podemos fazer com que nós mesmos sejamos renascidos. É Deus quem nos faz vivos.
É Deus quem nos justifica (Rm 8.33,34). É Deus quem nos concede o arrependimento para a vida (At 11.18). Lembremo-nos do que Paulo escreveu aos efésios: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2.8). Paulo não está dizendo que não seja a nossa fé. Usando uma expressão de Sproul “Deus não crê por nós”. O que Paulo está dizendo é que a fé salvadora não se origina em nós. É nossa fé, mas não teve origem em nós. A iniciativa é de Deus. É nossa fé, mas ela foi dada a nós como um maravilhoso dom da graça de Deus.
Por isso, cremos e confessamos, juntamente com as Santas Escrituras, com os reformadores e as confissões reformadas que falam numa única voz: salvação começa em Deus e não no homem (Fp 1.6). É Ele que nos ressuscita para uma nova vida. O homem natural é incapaz de vencer suas próprias inclinações, quanto mais vencer o pecado, a carne e o diabo. O homem sem Deus tem um coração de pedra. O pecado calcifica e obscurece o seu entendimento. “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1Co 2.14). Ele não é capaz de crer se antes Deus não interferir. É preciso um poder Supremo para livrar o homem de uma condição tão miserável. É necessário que o Deus Soberano intervenha. Arranque-o da sepultura espiritual e lhe conceda vida! Arranque-lhe o coração de pedra e lhe conceda um coração de carne. É necessário que Deus lhe transporte do reino das trevas para o reino da luz (At 26.18). Do Gênesis ao Apocalipse a Bíblia fala numa voz uníssona: “Ao SENHOR pertence a salvação” (Jn 2.9). Essa vida vem de cima, vem do céu, como uma dádiva graciosa de Deus a nós pecadores!

Rikison Moura, V. D. M





[1] John Stott, I, II, e III João, Introdução e Comentário, p.105,106, Vida Nova
[2] Hernandes Dias Lopes, 1, 2, 3João, p.157, Hagnos
[3] John Murray, Romanos, p.130, FIEL

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