Ao fazermos uma definição dessa doutrina tão
importante não devemos consultar os manuais de sociologia ou antropologia, mas
devemos nos voltar para as Escrituras para ouvir com atenção o que ela tem a
nos falar.
A Bíblia apresenta várias definições de pecado:
“Tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm 14.23). “Os desígnios do insensato
são pecado” (Pv 24.9). “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o
faz nisso está pecando” (Tg 4.17).
Mas talvez a melhor definição do que é pecado tenha
sido apresentada por João, o teólogo. Em sua primeira Epístola ele escreveu:
“Todo aquele que pratica o pecado também transgride
a lei, porque o pecado é a transgressão da lei” (1Jo 3.4).
O Breve Catecismo de Westminster sensível a
revelação bíblica diz o seguinte na pergunta 14 (o que é pecado?) e a resposta
é clara, breve e radicalmente bíblica:
“Pecado
é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão
dessa lei”.
O apóstolo Tiago declara que qualquer que guarda
toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos (Tg 2.10).
Portanto, começamos a entender que pecado consiste em fazer, dizer, pensar,
agir ou imaginar qualquer coisa que não esteja em perfeita conformidade com a
lei de Deus. A essência do pecado é a transgressão da lei de Deus. Pecado é a
não conformação do eu com a lei de Deus. É rebelião contra a Sua santa vontade.
É desconsideração com a lei. Pecado é a incapacidade de viver em perfeita
conformidade com a lei de Deus.
Para entendermos melhor o que é o pecado nós podemos
verificar algumas palavras gregas, língua em que originalmente foi escrito o
Novo Testamento. Esses vocábulos ampliam a nossa visão acerca dessa doutrina
bíblica. Vejamos alguns deles:
1. Hamartia. Essa é a palavra que o Novo
Testamento traduz como pecado. Essa palavra é muito significativa. Hamartia significa: errar o alvo, perder
o rumo, ficar aquém de um padrão. Os pecadores são vistos como pessoas que não
conseguem atingir um padrão estabelecido, no caso a lei de Deus. Eles não
conseguem ser aquilo que poderiam ou deveriam ser.
2.
Paraptoma.
O Novo Testamento traduz como “transgressão”. Essa palavra ainda possui o
sentido de “queda” “dar um passo em falso que envolve ultrapassar uma fronteira
conhecida” ou “desviar do caminho certo”.
3.
Adikia. Essa palavra denota injustiça
ou falta de integridade. O apóstolo João diz que toda injustiça (gr. Adikia) é pecado (gr. Hamartia) 1João 5.17. Adikia é um
abandono daquilo que é reto ou justo.
4.
Anomos. Essa
palavra significa “ilegalidade”, “transgressão”. O pecado não é apenas uma
falha negativa (Hamartia), uma
injustiça ou falta de retidão (adikia),
mas essencialmente uma ativa rebelião contra a vontade de Deus e uma violação
da sua santa lei (anomia).[1]
Este fato é tão sério que o anticristo, o homem da iniquidade, o filho da
perdição, é chamado pelo apóstolo Paulo de ho
anthropos tes anomias, o homem sem lei (2Ts 2.3).[2]
5.
Parabasis.
Raramente é empregada no Novo Testamento, aparecendo somente 7 vezes. Parabasis significa “violar aquilo que é
exigido por Deus”, “atravessar uma linha proibida”, “rebelião” “traição”.
É importante
lembrar que somos culpados não apenas por nossas más ações, como também somos
culpados por nossas omissões. Somos culpados por fazer o mal e somos igualmente
culpados quando deixamos de fazer o bem. “...aquele que sabe que deve fazer o
bem e não o faz nisso está pecando” (Tg 4.17). As Santas Escrituras deixam bem
claro que os pecados de comissão são tão sérios quanto os pecados de omissão.
Na parábola de Jesus, o servo que deixou de usar o
dinheiro que lhe foi confiado (Lc 19.11-27); os “cabritos” que não se
importaram com os párias da sociedade (Mt 25.31-46) são condenados por aquilo
que deixaram de fazer. As palavras do Divino Mestre são verdadeiras: “Aquele
servo, porém, que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez
segundo a sua vontade será punido com muitos acoites” (Lc 12.47).
A situação, portanto, é desesperadora. O
pecado não é algo periférico, mas habita no âmago do nosso ser. Não existe
nenhuma parte do nosso ser que não tenha sido contaminado pelo pecado. A teoria
do filósofo francês Jean Jacques Rousseau de que o homem é essencialmente bom e
que é a sociedade quem o corrompe é uma ideia equivocada. As Escrituras nos
mostram que o mal não é apenas um subproduto do meio ambiente. O mal não está
apenas nas estruturas sociais. Mas todo o caos da sociedade é apenas um reflexo
do coração sombrio e endurecido do ser humano. Escrevendo aos romanos, o
apóstolo Paulo nos apresenta esse terrível quadro. Paulo diz que todos pecaram
e destituídos estão da gloria de Deus (Rm 3.23). Judeus e gentios estão debaixo
do pecado. Todos estão em uma situação deplorável. Escravizados pela tirania do
pecado, expostos aos seus ataques, entregues ao seu domínio, incapazes de
libertar-se pelas suas próprias forças e recebendo em seu corpo o seu amargo
salário, que é a morte.
No capítulo 3.10-12 assim está escrito:
“Não
há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos
se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nenhum
sequer” (Rm 3.10-12).
Nesses três versículos Paulo mostra a
universalidade do pecado, a incapacidade humana e toda a depravação de sua
constituição. “Não há quem entenda”,
depravação da mente; “não há quem busque
a Deus”, depravação do coração; “não
há quem faça o bem”, depravação da vontade. John Murray acentua: “Na esfera
do entendimento, não há qualquer compreensão; na esfera do conhecimento, não há
qualquer movimento em direção a Deus. Com referência a Deus, todos os homens
são cegos de entendimento; no que diz respeito a aspirar por Deus, eles estão
mortos”. [3]
O coração do homem é uma fonte poluída
de onde jorra aos borbotões a sua maldade. Ouçam as palavras de Jesus:
“Porque de dentro, do coração dos
homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os
homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a
inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro
e contaminam o homem” (Mc 7.21-23).
Em Gênesis 6.5 assim está escrito: “Viu
o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era
continuamente mau todo desígnio do seu coração”. O “Pregador” escreveu: “...o
coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto a praticar o mal” (Ec
8.11). Por isso nós não concordamos com
a teoria de que o homem sem Deus está apenas doente, mas nós cremos e
confessamos juntamente com o apóstolo Paulo que o homem sem Deus “está morto em
seus delitos e pecados” (Ef 2.1). O homem não está apenas doente, ele está
morto. Ele não necessita de maquiagem religiosa, necessita de ressureição
espiritual. Ele não precisa de reforma humana, mas de
transformação divina. O pecado não é algo superficial a ponto da cal da religião
cobrir, ele está arraigado no coração do homem (Jr 17.9).
Assim como o velho Adão o homem pecador
foge de Deus. As Escrituras declaram que o homem ímpio foge sem
que nenhum homem o persiga (Pv 28.1). Ele vê acusadores por todas as partes.
Como declarou Lutero: “O pagão treme ao barulho de uma folha”. Billy Sunday
disse que: “Os pecadores não são capazes de encontrar a Deus pelo mesmo motivo
que os criminosos não são capazes de encontrar um policial: não o estão
procurando”. A Escritura declara que nenhum pecador busca a Deus (Rm 3.11),
isso porque somos fugitivos por natureza. Não procuramos a Deus porque o
odiamos. Não existe nenhuma inclinação natural em nós mesmos que nos
impulsionem a Deus, pelo contrário, a nossa inclinação é somente para o mal (Rm
8.7). Deus é luz e a fonte de todo bem. Mas nós pecadores estamos mergulhados
em trevas, avessos a todo bem, cheios de toda a impiedade, encharcados de
desprezo e de ódio a esse Ser divino. Portanto,
uma vez que somos incapazes de buscar a Deus é o próprio Deus, por pura graça e
misericórdia quem busca os pecadores (Gn 3.8-10). Jesus Cristo veio ao mundo
para buscar e salvar os perdidos (Lc
19.10).
Quando
entendemos a nossa pecaminosidade e como é terrível o nosso pecado aos olhos de
um Deus que é três vezes Santo (Is 6.3), lançamos para longe de nós aquela
linguagem e aquele evangelismo desleixado e passamos a entender que salvação
não é brincadeira, não é fazer uma “escolha por Cristo”. Não é dar uma chance para Jesus. Não temos a
capacidade natural de discernir e escolher os caminhos de Deus, porque não
temos inclinação natural em direção a Deus; nossos corações são cativos do
pecado, sentimos prazer no pecado e nossa situação é tão miserável que somente
a graça da regeneração pode nos libertar dessa escravidão. O homem sem Deus não
tem a capacidade de escolher a Deus na hora que ele bem entender. Ele não tem
forças para transcender o seu mal essencial. Ele não tem a capacidade de fazer
escolhas contrárias, pois nossas escolhas são compatíveis com a nossa natureza
e uma vez que nossa natureza é pecaminosa nossas escolhas também são, e uma vez
que em Adão nós estamos mortos em delitos e pecados, estamos mortos em relação
a Deus, e, portanto, não podemos escolhê-lo.
Assim
como uma pessoa fisicamente morta não reage a estímulos aplicados ao corpo,
também uma pessoa espiritualmente morta não consegue reagir ás coisas
espirituais. O pecador morto em delitos e pecados não pode fazer nada por si
mesmo. É preciso que alguma coisa seja feita para ele e por ele. Não podem dar
vida a si mesmos. Não podemos fazer com que nós mesmos sejamos renascidos. É
Deus quem nos faz vivos.
É Deus quem nos justifica (Rm 8.33,34). É Deus quem nos concede o arrependimento para a vida (At 11.18).
Lembremo-nos do que Paulo escreveu aos efésios: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é
dom de Deus” (Ef 2.8). Paulo não está dizendo que não seja a nossa fé.
Usando uma expressão de Sproul “Deus não crê por nós”. O que Paulo está dizendo
é que a fé salvadora não se origina em nós. É nossa fé, mas não teve origem em
nós. A iniciativa é de Deus. É nossa fé, mas ela foi dada a nós como um
maravilhoso dom da graça de Deus.
Por isso,
cremos e confessamos, juntamente com as Santas Escrituras, com os reformadores
e as confissões reformadas que falam numa única voz: salvação começa
em Deus e não no homem (Fp 1.6). É Ele que
nos ressuscita para uma nova vida. O homem natural é incapaz de vencer suas
próprias inclinações, quanto mais vencer o pecado, a carne e o diabo. O homem sem Deus tem um coração de pedra. O pecado calcifica e
obscurece o seu entendimento. “Ora, o homem natural não aceita as coisas do
Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas
se discernem espiritualmente” (1Co 2.14). Ele não é capaz de crer se antes Deus
não interferir.
É preciso um poder Supremo para livrar o homem de uma condição tão miserável. É
necessário que o Deus Soberano intervenha. Arranque-o da sepultura espiritual e
lhe conceda vida! Arranque-lhe o coração de pedra e lhe conceda um coração de
carne. É necessário que Deus lhe transporte do reino das trevas para o reino da
luz (At 26.18). Do Gênesis ao Apocalipse a Bíblia fala numa voz uníssona: “Ao
SENHOR pertence a salvação” (Jn 2.9). Essa vida vem
de cima, vem do céu, como uma dádiva graciosa de Deus a nós pecadores!
Rikison
Moura, V. D. M
Nenhum comentário:
Postar um comentário